NotíciasPolíciaA Lava Jato, Lula e os Ecos de 7 de Abril: A prisão que dividiu o Brasil

A Lava Jato, Lula e os Ecos de 7 de Abril: A prisão que dividiu o Brasil

Sete anos após a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma retrospectiva investigativa revela os bastidores da Operação Lava Jato, os desdobramentos que levaram à sua condenação

| Autor: Iarla Queiroz

Foto: Ricardo Stuckert/PR

No dia 7 de abril de 2018, o Brasil assistiu a um dos episódios mais marcantes de sua história política recente. Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República e símbolo do Partido dos Trabalhadores, se entregava à Polícia Federal em São Bernardo do Campo, após dois dias cercado por apoiadores na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Era o ápice de uma investigação que mudaria o curso da política brasileira: a Operação Lava Jato.

Sete anos depois, o "aniversário" da prisão de Lula é mais do que uma lembrança — é um marco de virada na narrativa de justiça, política e poder. O petista, que foi condenado e preso, teve suas sentenças anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), reassumiu seus direitos políticos e voltou à presidência do país em 2022. Como se chegou até aqui?

O que foi a Operação Lava Jato?

Deflagrada em março de 2014 pela Polícia Federal, a Lava Jato teve como ponto de partida a descoberta de um esquema de lavagem de dinheiro que envolvia doleiros e contratos fraudulentos com a Petrobras. Com o tempo, as investigações se expandiram, revelando um sistema bilionário de corrupção que conectava políticos, empresários e grandes empreiteiras.

A força-tarefa, liderada por procuradores do Ministério Público Federal no Paraná e pelo então juiz Sergio Moro, ganhou notoriedade nacional e internacional. Inicialmente ovacionada como símbolo do combate à impunidade, a operação passou a ser alvo de críticas por sua condução — especialmente após revelações que colocaram em xeque a imparcialidade de seus agentes.

Entre os investigados estava o nome mais conhecido da esquerda brasileira: Luiz Inácio Lula da Silva.

Linha do tempo: A trajetória de Lula nas investigações

Julho de 2016 — Caso Cerveró

Lula foi acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de obstrução de Justiça, por supostamente tentar comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró. Em 2018, a Justiça Federal do Distrito Federal entendeu que não havia provas suficientes e absolveu o ex-presidente.

Maio de 2016 — Caso do tríplex do Guarujá

O MPF acusou Lula de receber propina por meio da reforma e da cessão de um apartamento tríplex no Guarujá. A denúncia, baseada fortemente em delações premiadas, afirmava que a OAS teria custeado a reforma em troca de benefícios em contratos públicos.

A defesa de Lula argumentou que o imóvel jamais foi dele e que não havia provas concretas além dos depoimentos de delatores.

Apesar disso, em julho de 2017, o então juiz Sergio Moro condenou Lula a 9 anos e 6 meses de prisão. Em 2018, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmou a condenação e ampliou a pena para 12 anos e 1 mês.

No mesmo ano, o STF negou habeas corpus preventivo e Moro ordenou a prisão. Lula se entregou em 7 de abril de 2018.

Lula ficou preso por 580 dias. Em 2019, o Supremo Tribunal Federal alterou o entendimento sobre prisão após segunda instância, o que permitiu sua libertação.

Em 2021, o STF anulou a condenação do tríplex, alegando que Moro foi parcial no julgamento. O caso foi enviado para a Justiça Federal do Distrito Federal e declarado prescrito.

Dezembro de 2016 — Instituto Lula e Caso do terreno

O MPF acusou Lula de ter se beneficiado de propinas da Odebrecht para a compra de um terreno destinado ao Instituto Lula e de um imóvel próximo à sua residência. A denúncia foi incluída no contexto das delações da empreiteira, mas o STF anulou as provas relacionadas à colaboração por considerar o acordo irregular.

Fevereiro de 2018 — Caso do sítio de Atibaia

Lula foi condenado pela juíza Gabriela Hardt a 12 anos e 11 meses por supostas vantagens indevidas na reforma de um sítio em Atibaia, frequentado por sua família, mas registrado em nome de terceiros.

Segundo a magistrada, "ficou amplamente comprovado que a família do ex-presidente Lula era frequentadora assídua no imóvel". A defesa alegou que a condenação ocorreu antes da análise da suspeição de Moro e sem provas diretas de propriedade ou benefício.

O STF entendeu, posteriormente, que o caso não estava diretamente ligado à Petrobras e, por isso, não deveria estar sob jurisdição da 13ª Vara de Curitiba. A ação foi transferida para Brasília e considerada prescrita.

Outras acusações: da Zelotes ao "Quadrilhão"

Lula também enfrentou acusações em diversos outros inquéritos:

? Operação Zelotes: Acusado de favorecer empresas automotivas por meio de medidas provisórias, foi absolvido por falta de provas.

? Caso "Quadrilhão do PT": Lula e Dilma Rousseff foram acusados de organização criminosa, mas a Justiça entendeu que a denúncia buscava criminalizar a atividade política.

? Doações ao Instituto Lula: Segundo o MPF, doações da Odebrecht seriam disfarces para lavagem de dinheiro. O caso foi suspenso após decisão do STF que invalidou as provas do acordo de colaboração.

? Família Lula: Diversos membros da família foram investigados, mas as ações foram arquivadas por ausência de elementos suficientes.

Casos internacionais: Guiné Equatorial, Costa Rica e Caças Gripen

As investigações se estenderam ao exterior, com Lula sendo acusado de tráfico de influência em países como a Guiné Equatorial e Costa Rica. Também foi apontado como beneficiado na compra de caças Gripen da Suécia. Todos os casos acabaram arquivados ou suspensos, por falta de provas ou anulação de provas obtidas de forma ilegal.

A reviravolta: a suspeição de Moro e a volta por cima

A guinada veio com a divulgação de mensagens trocadas entre procuradores da Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro, obtidas por hackers e publicadas pelo site The Intercept Brasil. Os diálogos sugeriam que Moro orientava a acusação, o que levantou questionamentos sobre sua imparcialidade.

Em 2021, o STF julgou que Moro foi parcial no julgamento do caso do tríplex. Com isso, as condenações de Lula foram anuladas e o petista recuperou seus direitos políticos.

A ministra Carmen Lúcia destacou na ocasião que a atuação do Judiciário deve "ser marcada pela imparcialidade", algo que foi comprometido nos casos do ex-presidente.

Com as acusações arquivadas, prescritas ou anuladas, Lula voltou a ser elegível. Em outubro de 2022, foi eleito presidente da República pela terceira vez, vencendo Jair Bolsonaro em um pleito acirrado.

“Lula não é um condenado político”

De acordo com o jurista Daniel Barcelos Vargas, da FGV, “os dispositivos legais brasileiros, devido à anulação processual ocorrida em 2021, não fazem de Lula um ‘condenado político’. Caso o candidato do PT seja eleito, ele poderá assumir o cargo e ser diplomado Presidente da República, podendo usufruir de todos os seus direitos políticos de exercício do poder”.

Reflexões sobre a democracia e o sistema de Justiça

O caso de Lula transcende o personagem. Expõe as fragilidades do sistema judicial, os limites das delações premiadas e os riscos de abusos de poder por parte de agentes públicos.

Como lembrou o projeto Comprova: conteúdos que alegam erroneamente que Lula não poderia assumir a presidência por causa da Lava Jato são prejudiciais à democracia. A

decisão do eleitor deve ser guiada por fatos e informações contextualizadas — e não por narrativas distorcidas.

Em 7 de abril, relembrar a prisão de Lula é também lembrar o início de uma crise institucional que segue reverberando na política e na Justiça brasileira.

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