Câmeras do quilombo em que Mãe Bernadete foi morta não funcionavam
Uma das principais líderes quilombola da Bahia foi assassinada, dentro de um quilombo, na Região Metropolitana de Salvador, mesmo protegida pelo Estado, há um mês
Foto: Reprodução/Redes Sociais
A defesa da família de Mãe Bernadete, uma das principais líderes quilombola da Bahia, morta a tiros dentro de um quilombo, na Região Metropolitana de Salvador, disse que três câmeras instaladas pelo governo no local, não funcionavam por falta de recursos para substituir os equipamentos. O crime completou um mês no domingo (17).
Mãe Bernadete foi assassinada mesmo protegida pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) do Governo Federal. A ialorixá assistia televisão com três netos adolescentes, quando dois homens invadiram o imóvel e a executaram com vários tiros.
Segundo o advogado David Mendéz, representante da família de Mãe Bernadete, o custo médio de manutenção de um equipamento é de R$ 150. O orçamento total do programa é de R$ R$ 1.081.095,74.
De acordo com a ONG Ideas, responsável por gerir o programa, o valor foi estipulado por um convênio assinado entre os governos federal e estadual, com os recursos ofertados àquela época.
O termo de colaboração entre a ONG Ideas e o Governo da Bahia foi assinado em 2022 e o vínculo vence em dezembro deste ano.
Entenda abaixo o que aconteceu no caso de Mãe Bernadete:
De acordo com a ONG Ideas, as câmeras de vigilância foram instaladas em 2021, pela equipe técnica que gestou o PPDDH antes do Ideas assinar o contrato com governo.
O território de Mãe Bernadete possuía sete câmeras no total. Segundo a ONG, quatro contribuíram para o processo de investigação do assassinato e três não estavam com funcionamento adequado.
Em nota, a ONG Ideas afirmou que ao implementar as câmeras de vigilância, a equipe técnica responsável dialoga com o defensor para entender a melhor estratégia a ser utilizada.
A conexão a uma central de monitoramento vinculada a órgãos da segurança pública é realizada quando os defensores do território entendem que essa estratégia é a mais adequada. A análise é feita porque em alguns casos, agentes de segurança figuram enquanto os ameaçadores.
Recurso limitado
Também em nota, a ONG Ideas admitiu que o recurso destinado à implementação de equipamentos de segurança é limitado "não só no PPDDH da Bahia, mas em todos os estados que possuem essa política pública".
A ONG Ideas afirmou que a metodologia de proteção do programa não se concentra em fornecer equipamentos emergenciais, mas tem como princípio a articulação entre órgãos públicos para a efetivação de direitos que contribuem para a mitigação dos riscos e ameaças.
"Câmeras só são instaladas em casos excepcionais, diante da análise de risco. Como o quilombo já tinha câmeras instaladas por outra equipe técnica, a prioridade de uso do recurso foi instalar em outras comunidades que estavam sob grande ameaça e ainda não tinham nenhum equipamento do tipo", pontuou a ONG Ideas.
O discurso de que o recurso é limitado também foi pontuado pelo coordenador do Instituto Ideas, Wagner Moreira.
"Reconhecemos que três câmeras não estavam com o funcionamento adequado. É uma falha, mas essa falha se deve também ao pouco recurso disponível para esse tipo de estratégia de segurança", afirmou.
Quem mandou matar?
O filho de Mãe Bernadete, Jurandyr Wellington Pacífico, acredita que existam outras pessoas envolvidas no assassinato da líder do quilombo Pitanga dos Palmares. No dia 4 de setembro, a polícia informou que três suspeitos de envolvimento no crime foram presos.
Um dos presos teria confessado ser o executor do crime, que aconteceu em agosto deste ano. A Polícia Civil não divulgou nenhuma informação sobre a motivação do assassinato, nem informou se há mandantes.
Para Jurandyr, a "morte da mãe foi terceirizada", ou seja, alguém contratou uma pessoa para matá-la.
"Quero saber é quem mandou executar Mãe Bernadete e o porquê. Eu estou destruído, perdi meu irmão em 2017 e minha mãe agora", disse.
Morte do filho de Mãe Bernadete
Seis anos antes de Mãe Bernadete ter sido assassinada, o filho dela e irmão de Jurandyr, Binho do Quilombo, foi morto da mesma forma, com diversos tiros dentro do quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho. Apesar do caso ter sido levado para a Polícia Federal, ninguém nunca foi preso e o crime segue sem solução.
"A Polícia Federal é detentora do maior leque de tecnologias. Por que não foi feito reconhecimento facial do suspeito de assassinar Binho? As provas estão lá. O carro passou três vezes no pedágio para matar o meu irmão. Por que não elucidou?".
"O crime de minha mãe repercutiu muito. Por que o crime de Binho do Quilombo não foi para essa fase? Por que deu as costas do crime de Binho?", questionou.
Jurandyr acredita que o suposto mandante do assassinato de Mãe Bernadete, pode ser o mesmo de Binho. Para ele, se o crime de 2017 tivesse sido solucionado, a líder quilombola ainda estaria viva.
Investigações da Polícia
Durante as investigações, o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, informou que há três hipóteses investigadas pela polícia:
briga por território
intolerância religiosa
disputa de facções criminosas
A hipótese que envolve facções criminosas era a mais comentada pela Polícia Civil. Nesta segunda, a Secretaria de Segurança Pública do estado (SSP-BA) disse que os presos são integrantes de um grupo criminoso responsável pelo tráfico de drogas na região de Simões Filho. Ao menos mais um suspeito, que seria o segundo executor do crime, é procurado.
Apesar da SSP ter divulgado a relação dos suspeitos com facções criminosas, a motivação ainda não foi comentada pela secretaria, porque as investigações ainda estão em curso.
Para Binho, há sim a possibilidade do crime ter alguma relação com o tráfico de drogas na região, mas não como motivação principal.
"Eu acredito no tráfico de drogas como terceirização. Você pode chegar ali e contratar um traficante para matar Mae Bernadete", afirmou.
Ameaças e escolta policial
Jurandyr precisou sair do Quilombo Pitanga dos Palmares, onde vivia com a família, por questões de segurança. Ele ainda não foi incluído no programa de segurança da SJDH-BA, mas é acompanhado por uma escolta 24 horas por dia.
Além dele, os advogados que representam a família tem relatado ameaças. Um dos profissionais afirmou que carros específicos tem rondado o local onde ele vive.
"A gente não sabe onde está pisando e precisamos saber. As polícias Civil e Federal precisam elucidar os casos de Binho e Mãe Bernadete por conta da segurança do filho, dos netos e dos advogados [de Mãe Bernadete]", disse o advogado Lucas Dantas.
Críticas ao governador da Bahia
Jurandyr criticou a conduta do governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues. Ele afirma que tem tentado falar com o governador, mais ainda não obteve retorno.
"O governador, até agora, não recebeu nem a mim e nem a minha família. Eu queria saber o porquê. Tem agenda para ir para estádio de futebol, mas não me atendeu ainda"
Nesta segunda-feira, o governo do estado enviou um comunicado para a imprensa sobre o caso de Mãe Bernadete. O governador afirmou que pediu celeridade na investigação do caso e que exigiu que o quarto envolvido seja preso.