NotíciasExclusivasEntre a passividade e a radicalização; entenda como se dá a relação do brasileiro com a Política na atualidade

Entre a passividade e a radicalização; entenda como se dá a relação do brasileiro com a Política na atualidade

As mudanças na compreensão e ação política na era das redes sociais refletem a situação do país

| Autor: Gustavo Nascimento
Pessoas em cima da estátua da Justica, no Palácio do Planalto, durante o atentado de 8 de janeiro de 2023

Pessoas em cima da estátua da Justica, no Palácio do Planalto, durante o atentado de 8 de janeiro de 2023 |Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Talvez seja um pouco difícil compreender e explicar o que mudou na Política brasileira de uma década para cá, mas um caminho que pode ser utilizado é olhar para o principal ator político do país: o Povo. Das Jornadas de Junho, série de manifestações acontecidas em 2013, até a discussão sobre as taxações de grandes fortunas em 2025, é necessário entender a mudança de postura do brasileiro em relação aos acontecimentos políticos, e como essa mudança reflete e é refletida em todas as esferas da administração pública.

O professor de Comunicação e Política da Faculdade de Comunicação da UFBA, Wilson Gomes, explica que as manifestações de 2013 foram um ponto de partida para o brasileiro se reinserir na política. 

“Os movimentos de 2013 foram uma virada de chave na direção da atividade. Todo aquele discurso do ‘Vem para a rua’, ‘O portamento. [...] As pessoas passaram a se envolver em política com muita intensidade, e gigante acordou’, é a expressão justamente dessa nova atitude, dessa nova forma de achar que podem e devem mudar o Brasil, que são essenciais para cada uma das decisões e políticas públicas que afetam o país”, afirma o professor.

Apesar disso, um dos temas que pauta as discussões nas redes sociais no Brasil está atualmente centrado na postura das pessoas em relação à Política. Para muitos, é incompreensível - ou injustificável - que um povo que teve coragem e capacidade para se organizar coletivamente e se manifestar por conta de 20 centavos, em 2013, hoje seja incapaz de se mobilizar a favor de temas de interesse comum da população, como o fim da escala 6x1 e a taxação das grandes fortunas no país.

Muitas vezes, o discurso existe nas redes sociais, mas não se traduz na prática. Dessa forma, se comemora quando a indignação popular se transforma em ação.

A postagem acima é referente às manifestações que aconteceram em decorrência da decisão do Congresso Nacional, responsável por derrubar o decreto do Governo Federal que alterava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), taxando grandes fortunas. Assim como tem sido nos últimos anos, essa mobilização popular foi apenas um pequeno vislumbre do potencial de manifestação política do povo, que tem se limitado a transformar pautas relevantes em trending topics nas redes sociais.

O professor Wilson Gomes entende que, com o crescimento das redes sociais, as pessoas passaram a ter mais contato com a política, mas de forma cada vez mais superficial, o que empobrece o nível das discussões no país. 

“Houve um aumento da participação, do engajamento e do interesse político. Um aumento vertiginoso e muito rápido, que não foi acompanhado por uma preparação das pessoas para coisas básicas, como divergir com civilidade, e isso tem rebaixado o debate público, rebaixado a participação pública, que se tornou muito mais feroz, muito menos produtiva, muito menos construtiva, e muito menos capaz de oferecer insumos para a vida democrática.”, explica o professor.

“Em outros momentos, você tinha sindicatos ou movimentos sociais que, de alguma maneira, formavam os militantes, e esses militantes eram capazes de adquirir conhecimento sobre política e entender o que estava em discussão [...] Hoje, um sujeito, depois de 15 vídeos no TikTok, ou um canal que ele segue no YouTube, já se considera especialista em política. Então, hoje é praticamente como se as pessoas já nascessem militando.”, complementa.

O Radicalismo engaja

Nessa linha de raciocínio, o professor Wilson Gomes também explica como o processo de criação de ‘bolhas’ nas redes sociais foi fundamental para agregar as pessoas de pensamento comum, ao mesmo tempo que distanciava grupos com ideias dissonantes do debate político, o que estimula a criação e propagação de ideias radicais nos diferentes espectros.

“As redes sociais trouxeram a possibilidade das pessoas se engajarem rapidamente em política através de outras formas de associação, muito mais horizontais, de consumo privado, sem os custos da participação política que havia antigamente. Ir a uma reunião de um sindicato, ir a uma reunião de um partido, ir a uma reunião de movimento social, assinar o nome, fazer inscrição, ter compromisso… esses custos foram reduzidos com o digital.”

“Não é preciso sair de nenhum lugar do Brasil para militar, para se envolver nas suas causas. Esse tipo de participação digital é pouco exigente. Facilmente você pode, inclusive, inserir-se num grupo feito por redes de contratos sociais para buscar a aprovação e galgar posições de estima neste grupo”, conta o professor, que observa que quanto mais radicalmente um grupo se coloca no debate político, maior será seu engajamento e sua atratividade. 

Para Wilson Gomes, a Democracia precisa ser compreendida como um espaço aberto a discussões e ideias divergentes, e que o radicalismo surge quando essa premissa é negada. 

“O radicalismo significa colocar-se cada vez mais distante uns dos outros. Não é só a esquerda versus a direita, progressistas versus conservadores. Mesmo dentro de um grupo de progressistas, você encontra posições radicalmente diferentes, sob certos aspectos [...] as pessoas se afastaram muito da convivência. A construção daquilo que é o espaço do entendimento foi abandonado nesse tipo de política, então a polarização política, particularmente a polarização afetiva, é decorrente disso”, conclui o professor.

O empobrecimento da discussão política no Brasil está diretamente relacionada à falta de ação prática das pessoas na vida pública, que só se manifesta por meio dos grupos mais radicalizados. Em via de regra, as pessoas não vão às ruas se não estiverem ancoradas no fanatismo político.  

Ao mesmo tempo em que as pessoas acampam por dias em frente a quartéis e invadem o Palácio do Planalto para tentar um golpe de estado, a luta política por pautas que realmente interessam à população quase não existe fora das redes sociais.

Toda essa conjuntura também se consolida com a atuação dos políticos, que precisam se adaptar aos novos hábitos de consumo da população, e se transformam em influenciadores digitais para atrair eleitores e fidelizar uma base de apoiadores. Atualmente, alguns dos principais exemplos são os deputados federais Erika Hilton (PSOL) e Nikolas Ferreira (PL), considerados bandeiras jovens da esquerda e direita, respectivamente.

Os dois já travaram embates nas redes sociais em diferentes temas, nem sempre com ataques direcionais, mas com cada um expondo sua visão sobre determinados assuntos e disputando a atenção do público.

“A democracia vai padecer enormemente”

O cenário político construído desde a década passada, que culminou até aqui na disputa presidencial entre Lula e Bolsonaro em 2022, segue se desenhando de maneira pessimista, como explica Wilson Gomes, que não vê perspectiva de mudança para o futuro próximo. 

“Nós nos acomodamos bem neste cenário. Eu acho que a polarização afetiva tende a aumentar e que a democracia vai padecer enormemente. Então, a curto prazo, eu vejo a perspectiva de ainda maior radicalização”, projeta o professor.

Além disso, para Wilson Gomes, o atual contexto político do país, caracterizado pela radicalização e pelo empobrecimento do debate político, é favorável para a extrema-direita. “O pior dessa radicalização é que ela vai levar ao poder cada vez mais grupos de extrema-direita que vivem desse radicalismo e que representam realmente uma novidade. A esquerda não é uma novidade, a esquerda tem 100 anos aí na disputa pelo poder.”

Essa lógica se traduziu nas urnas no último ano, em que ocorreram eleições municipais. Entre todas as capitais do país, apenas Recife elegeu um prefeito mais alinhado à esquerda, João Campos (PSB), mesmo que este também dialogue com muito com o centro.

Enquanto isso, políticos de direita venceram no primeiro turno em seis capitais, e no segundo em outras 13 cidades. O centro, por sua vez, elegeu quatro candidatos no primeiro turno e três no segundo.

Na lista dos governadores, eleitos em 2022, é possível ver um equilíbrio maior na polarização entre esquerda e direita, mesmo que ainda haja vantagem para os apoiadores de Bolsonaro. 14 governadores declararam apoio ao ex-presidente, contra 10 que se posicionaram a favor de Lula no pleito eleitoral. Apenas três governadores se mantiveram neutros.

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