Pecadores é a prova que mesmo os projetos mais honestos e bem feitos podem ter algumas falhas
A crítica não reflete a opinião do VarelaNet
Foto: Divulgação
Pecadores (2025), dirigido por Ryan Coogler e estrelado por Michael B. Jordan, é uma obra que desafia categorizações fáceis, misturando horror sobrenatural, drama histórico e elementos musicais em uma narrativa ambientada na Mississippi dos anos 1930, durante a era Jim Crow. A premissa segue os irmãos gêmeos Smoke e Stack, ambos interpretados por Jordan, que retornam a Clarksdale após anos em Chicago, onde se envolveram com o crime organizado. Com dinheiro e ambição, eles abrem um juke joint, um espaço de resistência cultural para a comunidade negra, mas a noite de inauguração é interrompida por vampiros, que servem como metáfora para opressores coloniais e raciais. Coogler, conhecido por Black Panther e Creed, entrega sua primeira história original, e o resultado é um filme visualmente deslumbrante e tematicamente rico, embora nem sempre coeso.
Michael B. Jordan é o coração pulsante de Pecadores, oferecendo uma atuação dupla que equilibra carisma e sutileza. Smoke, o irmão mais introspectivo, carrega um peso melancólico, enquanto Stack, com seu sorriso malicioso, exsude uma energia hedonista. A distinção entre os gêmeos é reforçada por figurinos marcantes e pela habilidade de Jordan em modular gestos e expressões, evocando comparações com atuações icônicas como a de Robert De Niro em The Alto Knights. A química entre Jordan e o elenco de apoio, incluindo Miles Caton como o jovem bluesman Sammie e Hailee Steinfeld como a ex-namorada Mary, eleva as cenas dramáticas, especialmente na primeira hora, que se dedica a construir a comunidade de Clarksdale com uma atenção quase documental. A estreia de Caton é particularmente notável, trazendo autenticidade emocional ao papel de um músico dividido entre a fé e a arte.
A direção de Coogler é um dos pontos altos, com uma visão que transforma Pecadores em uma experiência sensorial. Filmado em IMAX 65mm, o filme captura a beleza crua dos campos de algodão e a vibração do juke joint com a cinematografia de Autumn Durald Arkapaw, que alterna entre tons ensolarados e sombras ameaçadoras. A trilha sonora, composta por Ludwig Göransson e incorporando blues autêntico, é quase um personagem, culminando em uma sequência hipnótica onde Sammie conecta gerações de músicos negros, do passado ao presente. Essa fusão de música e sobrenatural, inspirada na lenda de Robert Johnson, que teria vendido a alma ao diabo, reforça a ideia de que a arte negra é um ato de resistência e transcendência.
Apesar de seus méritos, Pecadores tropeça na transição para o horror. A primeira metade, um drama histórico envolvente, constrói personagens e tensões raciais com paciência, mas a chegada dos vampiros, liderados por um Remmick (Jack O’Connell) de sotaque irlandês instável, parece abrupta, remetendo a From Dusk Till Dawn. Embora Coogler use os vampiros como alegoria para a apropriação cultural e a violência colonial (uma ideia intrigante, com os mortos-vivos prometendo “liberdade” em troca da alma), a execução oscila entre o pulpy e o excessivamente sério. Cenas como vampiros dançando uma jiga irlandesa enquanto hipnotizam suas vítimas são visualmente marcantes, mas desviam o foco das questões raciais e espirituais que o filme promete explorar.
A recepção do público e da crítica reflete essa dualidade. No Rotten Tomatoes, Sinners ostenta 98% de aprovação, com elogios à visão de Coogler e à performance de Jordan, mas alguns, como Zachary Barnes, lamentam a falta de coesão temática. No X, fãs brasileiros celebram o “terror metafórico” e a “atuação impecável” de Jordan, embora alguns notem que o filme é mais horror psicológico do que terror puro, o que pode desapontar quem espera sustos constantes. A bilheteria, com US$ 48 milhões na estreia norte-americana, superou expectativas, impulsionada pelo apelo de Jordan (47% dos espectadores citaram o ator como motivo para comprar ingressos) e pela positiva, especialmente entre o público jovem e diverso (38% negro, 35% branco, 18% latino). O filme também recebeu nota A no CinemaScore, um feito raro para o gênero.
Em última análise, Pecadores é uma conquista impressionante, mas não isenta de falhas. Coogler prova que pode criar um blockbuster original com alma, abordando a luta negra contra a opressão com uma mistura de história, misticismo e horror. Jordan, em sua melhor forma, e o elenco de apoio tornam os personagens memoráveis, enquanto a música e a fotografia elevam o filme a um patamar quase lírico. Contudo, a virada sobrenatural, embora criativa, nem sempre se integra ao drama inicial, deixando a sensação de que Coogler tentou abraçar gêneros demais. Ainda assim, Sinners é uma experiência que merece ser vista na maior tela possível, um testemunho do poder do cinema como arte e resistência, mesmo que não alcance plenamente sua ambição descomunal.