NotíciasSaúdeEncefalopatia traumática crônica: a doença que levou Maguila e ameaça a vida de atletas

Encefalopatia traumática crônica: a doença que levou Maguila e ameaça a vida de atletas

Estudos mostram que a ETC é comum entre atletas de esportes com muito contato físico, por causa das pancadas constantes

| Autor: Ramilton Silva

Foto: Reprodução/Redes sociais

No dia 24 de outubro, o ex-boxeador brasileiro Adilson Rodrigues, o Maguila, faleceu aos 66 anos. Sua morte trouxe de volta uma discussão importante sobre uma doença grave que afeta muitos atletas de esportes de contato: a encefalopatia traumática crônica (ETC), também chamada de "demência pugilística". Essa doença é causada por pancadas frequentes na cabeça e afeta principalmente pessoas que praticam esportes como boxe, futebol americano e artes marciais.

A ETC acontece quando uma pessoa sofre muitos impactos na cabeça durante anos. Esses golpes vão danificando o cérebro aos poucos, levando a sintomas como perda de memória, dificuldade para pensar, mudanças de humor e até demência. No caso de Maguila, que passou anos lutando boxe, os primeiros sinais da doença apareceram algum tempo depois de ele parar de lutar, dificultando sua fala e movimentos.

Estudos mostram que a ETC é comum entre atletas de esportes com muito contato físico, por causa das pancadas constantes. No entanto, é difícil identificar a doença enquanto a pessoa está viva, porque os exames tradicionais não conseguem mostrar o dano no cérebro com clareza. Muitos pacientes só têm o diagnóstico confirmado após a morte, com exames detalhados no tecido cerebral. Foi assim que aconteceu com Maguila, que já sofria bastante com a doença nos últimos anos de vida.

Em entrevista, o neurologista Ivar Brandi explicou os principais sintomas da Encefalopatia Traumática Crônica (ETC), ressaltando que essa condição combina sinais motores e neuropsiquiátricos. Segundo ele, a doença provoca lentidão nos movimentos, rigidez muscular, postura alterada, redução na amplitude e ritmo dos passos, e aumento no risco de quedas. Além disso, a ETC afeta a fala e a voz, tornando-as mais fracas e dificultando a articulação das palavras; também pode dificultar a mastigação.

Dr. Ivar Brandi destaca que, além dos sintomas físicos, a ETC provoca impactos cognitivos significativos. Os pacientes podem sofrer com perda de memória, dificuldades de linguagem, confusão mental, desorientação e até alucinações. Essa combinação de sintomas torna a doença particularmente debilitante, afetando tanto a mobilidade quanto às funções mentais da pessoa.

“A doença se confunde muitas vezes com a doença de Alzheimer, outras demências ou com formas de Parkinsonismo, quando há predomínio dos sintomas motores da doença. Essa condição ocorre porque micro traumas cranianos levam a pequenos sangramentos que vão alterar o metabolismo cerebral, ou seja, vai alterar como o último cérebro processa a sua fonte de energia e leva a um acúmulo de uma substância chamada tau fosforilada, proteína tal fosforilada, que se acumula no encéfalo e altera o funcionamento de áreas cerebrais onde há o acúmulo dessa proteína.”

Questionado se existem tratamentos disponíveis para gerenciar os sintomas da encefalopatia traumática crônica, o doutor Ivar Brandi explicou que, infelizmente, não existe um tratamento específico para a doença. Ele ressalta que o tratamento disponível é focado em aliviar os sintomas, buscando melhorar a função motora e as condições neuropsíquicas do paciente, mas não há uma cura.

Para contribuir com a pesquisa e ajudar futuros pacientes, Maguila e sua família optaram por doar o cérebro do lutador para estudos científicos. O neurologista Ivar comentou sobre esse processo e os principais objetivos das pesquisas que utilizam o cérebro de indivíduos falecidos. Ele ressaltou que essa prática é bastante comum em outros países. 

“Muito do que nós conhecemos sobre a doença de Parkinson, doença de Alzheimer e outros tipos de demência, vem de estudos pós-morte do Banco de Cérebro de Londres, que é o maior banco mundial de pessoas que doam o cérebro para estudo pós-morte. Então este estudo permite identificar, é quando a gente analisa o cérebro da pessoa que morreu, com a história clínica da doença a gente vai fazer uma relação clínico-anátomo-patológica, ou seja, quais os sintomas clínicos que aquela pessoa apresentava, onde estavam as lesões no cérebro e que tipo de lesões ela apresentava no cérebro, para poder definir um padrão específico de apresentação clínica dessas doenças.”

A história de Maguila reforça a necessidade de discutir a segurança nos esportes de contato e os riscos para a saúde dos atletas. Especialistas estão procurando maneiras de tornar esses esportes mais seguros, com capacetes e técnicas que ajudem a evitar lesões. Mesmo assim, as mudanças são lentas, e muitos atletas ainda não conhecem os riscos a longo prazo.

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