Trabalho escravo ainda atinge milhares de pessoas no Brasil e desafia a Justiça
Juristas e ativistas defendem que o enfrentamento ao trabalho escravo deve se apoiar em três frentes

Foto: Ministério do Trabalho/Divulga
O trabalho em condição análoga à escravidão segue sendo uma realidade no Brasil. Em 2024, mais de 2 mil pessoas foram resgatadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em todo o país. Só na Operação Resgate IV, em agosto daquele ano, 593 trabalhadores foram retirados de diferentes frentes de exploração. Em 2025, as fiscalizações continuam e casos recentes revelam que a prática está presente em diversos setores, da agropecuária ao serviço doméstico.
Um exemplo que chamou atenção ocorreu em Itabuna, no sul da Bahia, onde uma empregada doméstica de 64 anos foi resgatada após mais de 50 anos de trabalho sem salário. A mulher foi mantida por gerações da mesma família, teve benefícios do INSS retidos e vivia em situação de extrema vulnerabilidade, segundo o MTE. O caso reforça que o problema não está restrito às fazendas e canteiros de obra, mas também acontece em residências e espaços privados.
As fiscalizações apontam situações semelhantes, alojamentos precários, jornadas exaustivas, dívidas forçadas e, em alguns casos, restrição de liberdade. Setores como o cafeeiro foram alvo de denúncias que ligam propriedades a cadeias internacionais de fornecimento, o que ampliou o debate sobre a responsabilidade de grandes empresas.
Do ponto de vista legal, o artigo 149 do Código Penal define como crime submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão. Além do processo criminal, empregadores podem ser condenados na Justiça do Trabalho e na esfera civil ao pagamento de indenizações por danos morais individuais e coletivos. Empresas flagradas entram ainda na chamada “lista suja”, que restringe acesso a crédito e contratos públicos.
Segundo dados oficiais, desde a criação dos grupos de fiscalização móvel já foram pagos mais de R$157 milhões em verbas e reparações a vítimas. Após o resgate, trabalhadores recebem carteira assinada, verbas atrasadas, documentos e assistência de órgãos como a Defensoria Pública da União e o Ministério Público do Trabalho. Mas especialistas alertam: essas medidas iniciais nem sempre são suficientes. Muitas vítimas enfrentam dificuldades para se reinserir no mercado, sofrem estigmatização e ficam sem apoio psicológico.
Casos julgados pela Justiça mostram a gravidade das condições encontradas. Há condenações envolvendo alojamentos insalubres, jornadas além do limite legal e dívidas fraudulentas. Em algumas decisões, os tribunais determinaram indenizações coletivas para compensar o impacto social da exploração.
Juristas e ativistas defendem que o enfrentamento ao trabalho escravo deve se apoiar em três frentes: Ampliar a fiscalização e facilitar denúncias, responsabilizar não só o empregador direto, mas toda a cadeia produtiva, e garantir reparações mais completas, incluindo apoio psicológico e social de longo prazo.
As denúncias podem ser feitas de forma anônima pelo Sistema Ipê, do MTE, ou pelo telefone 158, o Alô Trabalho. O Disque 100 também recebe casos de exploração.