NotíciasEntretenimentoMais que rosa: como marketing de Barbie dita modas e influencia comportamentos

Mais que rosa: como marketing de Barbie dita modas e influencia comportamentos

Especialistas explicam alvoroço em torno do live-action mais aguardado do ano, que chegou aos cinemas brasileiros no dia 20 de julho

| Autor: Erika Reis*

Foto: Divulgação/Warner Bros

Lançada oficialmente na Feira do Brinquedo de Nova York, em março de 1959, Barbie se tornou um ícone da moda e da cultura pop ao longo de seus 64 anos. A boneca ganhou ainda mais fama nos últimos tempos, quando a Warner Bros Pictures e a Mattel decidiram se unir para desconstruir padrões de beleza e perfeição no live-action mais aguardado do ano, que chegou aos cinemas brasileiros no dia 20 de julho. A produção é protagonizada pelo ator canadense Ryan Gosling e dirigida e escrita pela norte-americana Greta Gerwig.

A euforia do público começou desde o primeiro teaser do longa, divulgado em dezembro de 2022. Fazendo referência ao trailer do filme "2001: Uma Odisseia no Espaço", o vídeo curto trazia a atriz australiana Margot Robbie, intérprete da protagonista, em um maiô listrado e óculos de sol, além de meninas quebrando cabeças de bonecas e alguns flashes de toda a história que estava por vir. 
 

Barbie/Warner Bros/Divulgação

 

'Efeito Barbie'

Em pouco tempo, o mundo foi dominado pelo cor-de-rosa, desde as tendências nas redes sociais até as vitrines de loja. Ao digitar o nome da boneca ou palavras-chave relacionadas ao elenco do filme, a tela do celular é tomada por brilho. A Chevrolet investiu em um Camaro conversível rosa para o Festival Interlagos, que aconteceu em São Paulo do dia 22 até 25 de julho. Até mesmo o Burger King oferece o combo BK Barbie, com maionese cor-de-rosa no sanduíche. 

A professora Livia Veiga, dos cursos de Comunicação e Gestão da Universidade de Salvador (Unifacs), explica como o 'efeito Barbie' funciona. 

"Esse é um caso de estudo, sem sombra de dúvidas. O comportamento do consumidor em tempos de mídias sociais propicia efeitos como o Barbie, que contagia e impacta, inclusive quem não é fã da boneca desde a infância. O pilar deste fenômeno está na nostalgia que essa 'onda' provoca, ao trazer uma referência estética de uma determinada época novamente à cena, promovendo um resgate ao passado lúdico. Além disso, esse sentimento de pertencimento é ancorado pela própria dinâmica do digital e do que a boneca figura hoje no campo da representatividade. Assim, conseguimos entender melhor o buzz [burburinho] provocado pelo lançamento recente do filme", pontua em entrevista ao Varelanet.


 

Livia Veiga/Foto/Arquivo pessoal

O segundo teaser do live-action, lançado em abril, momentos após a confirmação da cantora anglo-albanesa Dua Lipa no elenco, deixou evidentes os elementos de nostalgia e representatividade, trazendo à tona Barbies e Kens de várias etnias e personalidades.

Nesse sentido, Livia também aponta para a presença da marca nas redes sociais, terreno fértil para instigar a curiosidade do público e fazer com que influenciadores gerem conteúdo de valor.  

"Seja através de ações comerciais da marca com influenciadores, seja a partir do conteúdo orgânico gerado por tantos outros, com 100 seguidores ou um milhão deles, a onda gerada pelo live-action de Barbie, que domina o mercado desde 1959, é ancorada pela força de influência nas mídias sociais e acaba por gerar curiosidade, principalmente naqueles que não possuem um 'relacionamento sério' com a boneca. Outro fator relevante pode ser explicado do ponto de vista do brand equity [valor adicional que influencia na forma como o consumidor age e pensa em relação a um produto], uma vez que o movimento cultural atual em torno da Barbie desperta o senso de comunidade, potencializado pelo conteúdo gerado pelos influenciadores", explica.

"Acredito que o comportamento de consumo está fincado em crenças e valores que o consumidor se expressa e se posiciona através de suas escolhas, a ponto de ampliar a resistência da maioria a esse efeito, ou seja, àquela tendência de seguir o comportamento da massa, mesmo contra as suas crenças", avalia a professora. "Aqueles que fogem ao consumo como ato de coragem e afirmação, acabam por ter a curiosidade aguçada pelo buzz e a aderir à tendência, pelo que chamo de “efeito São Tomé”: é preciso experimentar para crer. Daí, o marketing de influência surfa na onda e novos públicos são impactados e consomem o branding da Barbie, uma narrativa transmídia que “dá vida” à boneca, lota cinemas e supera todas as expectativas em licenciamento no mercado internacional", analisa Livia Veiga. 

Estética Barbiecore

Além dos itens personalizados em homenagem à boneca, o cor-de-rosa também ganhou destaque na moda. Pessoas adotaram a chamada 'estética Barbiecore', que consiste em aderir ao estilo de vida, acessórios, roupas, penteados e maquiagem inspirados na Barbie. 

Adultos e idosos preenchem as salas de cinema com a cor característica da Barbielândia, animados para vivenciar a experiência completa ao assistir o live-action, que já arrecadou US$155 milhões nos Estados Unidos e mais US$182 milhões ao redor do mundo, segundo a revista estadunidense Variety. 

No Brasil, o longa estreou em primeiro lugar na bilheteria nacional: lucrou R$ 84,7 milhões e alcançou 4 milhões país afora, de acordo com dados da empresa ComScore referentes ao período dos dias 20 a 23 de julho. 


Maira Andréia de Costa Souza/Foto/Arquivo pessoal

Ao Varelanet, Maira Andréia de Costa Souza, proprietária da loja de roupas Florenza Moda Feminina, chama atenção para a variedade de tons de rosa. 

"Dentro da família do cor-de-rosa, existem vários tons. Cada um deles carrega um significado diferente. Tem o rosa mais claro e mais escuro, que são formados por incidência de branco e preto. Já os rosas mais quentes e os mais frios, tem incidência de amarelo quente e azul frio, e também há cores mais intensas ou mais suaves. Cada cor carrega uma mensagem universal, cultural e contemporânea. Em geral, os tons de rosa-claro são associados à fragilidade, doçura, delicadeza e romantismo. Enquanto os tons mais fortes, como o pink, remetem à paixão, sensualidade, ousadia e confiança. Essas variações acontecem porque a incidência da cor branca significa leveza e pureza; por outro lado, quanto mais incidência de preto na cor rosa, mais significa força e poder", pontua Maira. 

A empresária também explica como a cor influencia no comportamento das pessoas.

"O primeiro elemento que o cérebro percebe na imagem é a cor. Só depois ele vai perceber linhas e formas. Pesquisas demonstram que cores e sentimentos não se combinam ao acaso, nem são uma questão de gosto individual, mas sim vivências comuns que desde a infância são enraizadas na nossa linguagem e pensamento. Então, quando eu vou conhecer uma pessoa, dependendo da roupa que ela estiver usando, já vou ter minhas primeiras impressões sobre ela, tanto positivas quanto negativas. Se uma pessoa é mais romântica, delicada, usa acessórios delicados e fala baixinho. Ela vai se identificar com tons de rosa-claro, porque essa tonalidade traz a leveza que ela já transmite pela incidência do branco. Já as pessoas que são mais dinâmicas e comunicativas vão se conectar com o rosa mais forte, devido à incidência do preto", define Maira, que destaca ainda os motes do feminismo e da desconstrução dos padrões de beleza.

"Acredito que o efeito Barbiecore foi potencializado pelo discurso do filme, oportuno nestes tempos, e um elemento importante para o reposicionamento da marca. Outro ponto é o mercadológico em si: toda campanha de venda se desdobra, pois através do co-branding [parceria com outras empresas], outras marcas se valem do cor-de-rosa e de brinquedos, e a Barbie invade prateleiras de outros setores, como alimentos, vestuário e beleza. Assim, ao consumir produtos Barbie, o indivíduo expressa não a influência do aspecto nostálgico na compra, mas as narrativas que o filme sustenta", reitera a professora Livia Veiga. 

Na trama, Barbie embarca em uma aventura em busca da felicidade verdadeira após ser expulsa da 'Barbielândia' por não ser perfeita.

Barbie: experiência de nostalgia 

Segundo a revista Exame, a primeira versão da boneca, lançada no fim da década de 50, surgiu a partir de uma brincadeira de bonecas de papel protagonizada por Barbara Handler, filha de Ruth Marianna Handler e Elliot Handler, criadores da Mattel. 

Na época, Ruth revolucionou a indústria ao perceber que poderia ofertar às crianças um brinquedo que estimulasse a imaginação e a prospecção de sonhos para a vida adulta, em vez de apenas incentivar as meninas a se dedicarem à maternidade e ao casamento. 

Em 2023,  os elementos lúdicos, referências e a narrativa sobre a desconstrução do corpo esbelto, olhos azuis e cabelo loiro desencadeiam memórias afetivas no público, principalmente aquelas relacionadas à infância. 

A educadora Livia Veiga conta que foi transportada direto para a sua juventude ao notar a forte presença do rosa nas roupas dos passageiros de um vagão do metrô de São Paulo. 

"Posso dizer que não sou fã da boneca desde criança. Mas, apesar de não ter sido colecionadora, ela fez parte da minha história. Quando meu irmão mais novo nasceu, meus pais compraram a bicicleta da Barbie e levaram para a maternidade. Na primeira visita, disseram que ele trouxe para mim, e esse momento ficou marcado”, conta.

"Nos últimos dias, a minha memória afetiva veio à tona. Estava no metrô, a caminho da próxima estação, quando, de repente, percebi o rosa na minha frente: uma senhora vestia detalhes em rosa da cabeça aos pés; o tênis de uma garotinha; a bolsa de uma moça; a calça de um rapaz, e por aí vai. Ali me dei conta: estamos vivendo um momento histórico, um fenômeno cultural evidente, e testemunhei o efeito Barbiecore", relata a professora. 

 


Barbara Handler, atualmente com 82 anos, faz uma participação especial no live-action de Barbie (Divulgação/Warner Bros)

Barbie: experiência de representatividade, liberdade e luta contra a homofobia  
Revertendo os estereótipos e críticas do passado, o longa da Barbie proporciona novas experiências aos espectadores, incluindo aqueles que não tiveram a mesma nostalgia que Livia. 

"Falar em Barbie hoje é falar de representatividade, pertencimento, liberdade e gênero. A assertividade da estratégia está nestes pilares, especialmente, pelo diálogo com o consumidor contemporâneo", enfatiza a professora. 

O estudante Edilon Costa da Silva, mais conhecido como Edi entre amigos, sonhava em brincar de Barbie quando era criança. Ele, no entanto, passou por um episódio traumático ao pedir aos pais uma boneca de presente de Natal. 

"Um dos meus sonhos de infância foi ter uma Barbie. Porém, a sociedade impõe que bonecas sejam feitas apenas para meninas. Eu sofri muito com isso. Quando pedi uma Barbie para os meus pais, eu apanhei muito, me disseram que eu não podia só porque era menino", relata Edi. 

Edilon Costa da Silva/Foto/Arquivo pessoal 

Hoje, aos 16 anos, com mais independência e liberdade, o jovem foi ao cinema vestido de rosa e acompanhado da madrasta e dos irmãos para conferir o live-action em 21 de julho, um dia após a estreia no Brasil. 

"Me senti muito mais livre. Mesmo assim, ainda percebo o julgamento das pessoas. Eu luto contra a homofobia todos os dias. Para mim, o filme da Barbie significa a luta das mulheres. Elas podem ser o que quiserem,  na hora que quiserem. Barbie foi muito importante na minha vida, pois me ajudou a passar pela homofobia", ressalta o estudante. 

"Eu só queria que acabasse esse negócio de que ‘coisa de menina é para menina, e coisa de menino é para menino’", reflete Edi. 

"Se a gente partir do princípio de que a Barbie foi criada mais de 60 anos atrás, naquela época, o rosa foi utilizado para que fosse uma representação do gênero feminino. Com o passar dos anos, a Barbie passou a ter móveis, foram criados amigos e várias versões diferentes da boneca. Portanto, hoje, a Barbie surge como um incentivo para as crianças, indicando que elas podem ser o que quiserem. A cor rosa ainda é usada, mas como uma forma de ver a vida com otimismo e inspiração, para mostrar que cada um é capaz de realizar seus sonhos. Além disso, a Barbie de hoje usa vários tons de rosa para simbolizar uma explosão de sentimentos; ela tem força, mas ao mesmo tempo é calma, e também entusiasmada, apaixonada e delicada", pontua a empreendedora Maira Andréia Costa de Souza. 

Sob supervisão do editor Alexandre Santos

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