Aos 75 anos, Edinolia cursa jornalismo e quer escrever grandes reportagens
Admirada por colegas de sala, estudante de Salvador diz não sofrer preconceito por idade, o chamado etarismo —um desafio no Brasil que envelhece
Foto: Avera/Unifacs/Arquivos pessoais
Aos 75 anos, Edinolia Pinto Peixinho tem muitos planos. Estudante do 7º semestre de jornalismo, ela planeja escrever grandes reportagens e fazer entrevistas na editoria de cultura, voltada à cobertura de eventos e lançamentos de produções de entretenimento.
Atualmente, Edinolia atua como revisora na agência de notícias experimental da universidade onde estuda, a Unifacs, em Salvador. Sua função é orientar e corrigir textos produzidos por um grupo de quatro estudantes.
Num mundo em que o preconceito por idade atravessa o dia a dia de homens e sobretudo de mulheres, Edinolia vivencia uma experiência diferente entre pessoas mais jovens.
“Eu fui muito bem acolhida tanto pelos professores quanto pelos colegas. Claro que havia uma curiosidade, em função da faixa etária, de ser professora e de já ter feito outra graduação, mas sempre me coloquei, dentro do possível, em iguais condições de direitos e deveres, na sala de aula”, conta ela ao Varelanet.
Edinolia Pinto Peixinho
Etarismo na pele
Em março deste ano, um vídeo em que três universitárias debocham de uma colega de sala de 44 anos viralizou nas redes sociais. O caso, que aconteceu no interior de São Paulo, gerou revolta e acendeu um debate sobre o etarismo — também chamado de idadismo ou velhofobia.
Alvo desse tipo de preconceito quando cursava um doutorado, a professora Elizia de Souza Alcantara, de 55 anos, afirma que o etarismo pode trazer uma série de prejuízos ao ambiente universitário.
“As consequências são diversas. Eu tive alguns colegas da mesma idade que eu. Em alguns momentos, eles chegavam pra mim e diziam: ‘Elizia, estou me sentindo perdido nesse espaço. Me sinto invisível, parece que não existo, porque as discussões aqui ficam muito concentradas em determinadas pessoas’”, relata.
Segundo o IBGE, em 2030 o Brasil já terá mais idosos do que jovens com idade entre zero e 14 anos.
“Todo preconceito, estereótipo e descrição em torno das pessoas idosas têm exatamente a intenção de menosprezar, impor a ideia de que nós somos incapazes, deixando evidente um alto grau de ignorância e estupidez”
Elizia de Souza Alcântara, professora
Para a educação, é devastadora a ideia de que pessoas idosas não tenham mais idade para os estudos. “Na realidade, nós sabemos que não há idade para aprender. Não existe educação sem amor, sem a amorosidade de perceber o mundo, crescer e problematizar, como já dizia Paulo Freire”, acrescenta a professora ao citar o patrono da educação brasileira.
De acordo com dados do Censo da Educação Superior, do Ministério da Educação (MEC), o número de calouros com 40 anos ou mais em universidades brasileiras quase triplicou nos últimos dez anos, entre 2012 e 2021.
Elizia de Souza Alcântara
Embora a pesquisa aponte para um avanço, Elizia afirma que um espaço saudável para todas as idades ainda carece de muitos investimentos e reformas no sistema de educação brasileiro.
“No meu campo de atuação, eu sempre desconfio muito de tudo e todos. Então, ao mesmo tempo em que celebro, também digo que vivemos em uma sociedade extremamente excludente e desigual. Os avanços acontecem, mas ainda falta muito”, observa a professora.
Excelente aluna, adorável e atenciosa
Diferentemente do caso de preconceito protagonizado pelas universitárias em SP, Edinolia é tratada com carinho pelos colegas mais novos da agência de notícias em que é revisora.
“Quando entrei na agência, tive um pequeno contato com dona Nolinha numa tarde de orientação para o projeto de extensão. Logo de início vi que ela era uma pessoa muito adorável e atenciosa. Depois, quando fui realocada para o seu grupo de revisão, pude me aproximar mais dela, mesmo que virtualmente. Construímos uma ótima relação”, detalha Isadora de Souza Vila Nova, de 20 anos, que cursa o terceiro semestre de jornalismo.
Entre tantas qualidades, a atenção com que Edinolia trata os demais colegas também chama atenção da estudante. “Nolinha sempre busca me auxiliar na correção dos textos, me incentivando a evoluir mais a cada produção”, diz Isadora.
Isadora de Souza Vila Nova
Coordenador da agência de notícias, o professor Antônio Netto também elogia o desempenho de Edinolia durante sua trajetória acadêmica.
“Edinolia é uma aluna excelente, até pela sua experiência de vida, ela traz uma maturidade. Expressa algumas vezes a dificuldade de compreender algumas ferramentas digitais, essas lógicas mais contemporâneas, devido aos conflitos geracionais. Mas nunca em um contexto de não ser capaz. Nolinha sempre se mostra disposta a aprender e dar o seu melhor”
Antônio Netto, professor
“Ela consegue transmitir isso muito bem aos colegas, que também dão esse apoio para ela. Eles colaboram na aprendizagem dela, e ela também ensina muito aos estudantes mais novos, mesmo por conta de toda a experiência dela na vida tanto pessoal como profissional”, afirma o coordenador.
*Sob supervisão do editor Alexandre Santos